- Olá! - exclamou assim que chegou às escadas que subiam para o jardim onde namoravam quando a relação que os unia era a da paixão com compromisso de felicidade eterna.
Ele levantou-se, já esperava há quatro minutos, e abraçou-a com um braço apenas que o outro pendia paralelo ao tronco sustendo a mão que se escondia no bolso.
Talvez ela pudesse esperar uma euforia pelo reencontro da agora amiga que partira para Londres no ano passado, quando foi convidada a cumprir um estágio num estabelecimento de estética em que as tias da zona gostavam de chamar aos serviços que lá lhes eram oferecidos nomes mais pomposos do que os normais cortar as unhas das mãos, cortar as unhas dos pés, esfregar um creme na cara.
Nesta perspectiva leviana via ele todas essas coisas supérfluas de que também, diga-se de passagem, ele não abdicava, salvo seja as mani e pedi cures, são exemplo disso alguns cremes para disfarçar as espinhas e um bom gel que lhe pusesse o cabelo com um efeito estranho - deveras estranho.
Tinham combinado encontrar-se no dia seguinte ao seu regresso de Londres. Ela ligou-lhe, ele não quis atender. Mais tarde arrependeu-se e devolveu a chamada e disfarçou alegria pelo contacto auditivo com uma voz que não queria simplesmente ouvir.
E via-se agora aqui ele, qual actor ridículo de telenovela, esperando que um rasto de felicidade caísse subitamente do céu - estrelas cadentes não são coisas que se vejam aos montes por aí todos os dias - e se derramasse no chão, alastrando e oferecendo-se aos infelizes que a esperam e que, tal como ele, se não levantam da escada para a alcançar.
Ela simulou que não dera conta do mau humor dele, que no final de contas era apenas a sua forma de ser neutro, alheio ao sentir, resultado de chagas no coração, feridas de peças pontiagudas metálicas que lhe acertaram no miocárdio e deixaram sequelas para sempre.
Começou a falar como uma criança, como é possível aos vinte e dois anos ainda se ter sonhos?, não ter caído na realidade que nada há a conseguir, tudo o que há para ter nos vem parar às mãos?
- Dás-me mais um abraço?
- O que esperas ainda?
- Qualquer coisa, uma reacção apenas.
- Reagir a quê?
- Não vai nada aí dentro?
- Ossos, carne e pouco mais.
- É assim que fazes, desistes de viver?
- Estou à procura da vida que quero viver.
- Não tens idade para a saberes já?
- Não tenho idade para a saber nunca.
- Que vais fazer entretanto?
- Procurá-la todos os dias. Que outra coisa poderia fazer?
- Não tens mais nada para me dizer?
- Não interessa dizer o que não posso fazer.
- Há coisas que queres e não podes?
- Coisas são coisas. Eu sou eu. Não quero coisas. Vamos embora.
- Posso ver-te outra vez?
- Amanhã de manhã.
Na cabeça dele, ela sorriu com o encontro.
Ele levantou-se, já esperava há quatro minutos, e abraçou-a com um braço apenas que o outro pendia paralelo ao tronco sustendo a mão que se escondia no bolso.
Talvez ela pudesse esperar uma euforia pelo reencontro da agora amiga que partira para Londres no ano passado, quando foi convidada a cumprir um estágio num estabelecimento de estética em que as tias da zona gostavam de chamar aos serviços que lá lhes eram oferecidos nomes mais pomposos do que os normais cortar as unhas das mãos, cortar as unhas dos pés, esfregar um creme na cara.
Nesta perspectiva leviana via ele todas essas coisas supérfluas de que também, diga-se de passagem, ele não abdicava, salvo seja as mani e pedi cures, são exemplo disso alguns cremes para disfarçar as espinhas e um bom gel que lhe pusesse o cabelo com um efeito estranho - deveras estranho.
Tinham combinado encontrar-se no dia seguinte ao seu regresso de Londres. Ela ligou-lhe, ele não quis atender. Mais tarde arrependeu-se e devolveu a chamada e disfarçou alegria pelo contacto auditivo com uma voz que não queria simplesmente ouvir.
E via-se agora aqui ele, qual actor ridículo de telenovela, esperando que um rasto de felicidade caísse subitamente do céu - estrelas cadentes não são coisas que se vejam aos montes por aí todos os dias - e se derramasse no chão, alastrando e oferecendo-se aos infelizes que a esperam e que, tal como ele, se não levantam da escada para a alcançar.
Ela simulou que não dera conta do mau humor dele, que no final de contas era apenas a sua forma de ser neutro, alheio ao sentir, resultado de chagas no coração, feridas de peças pontiagudas metálicas que lhe acertaram no miocárdio e deixaram sequelas para sempre.
Começou a falar como uma criança, como é possível aos vinte e dois anos ainda se ter sonhos?, não ter caído na realidade que nada há a conseguir, tudo o que há para ter nos vem parar às mãos?
- Dás-me mais um abraço?
- O que esperas ainda?
- Qualquer coisa, uma reacção apenas.
- Reagir a quê?
- Não vai nada aí dentro?
- Ossos, carne e pouco mais.
- É assim que fazes, desistes de viver?
- Estou à procura da vida que quero viver.
- Não tens idade para a saberes já?
- Não tenho idade para a saber nunca.
- Que vais fazer entretanto?
- Procurá-la todos os dias. Que outra coisa poderia fazer?
- Não tens mais nada para me dizer?
- Não interessa dizer o que não posso fazer.
- Há coisas que queres e não podes?
- Coisas são coisas. Eu sou eu. Não quero coisas. Vamos embora.
- Posso ver-te outra vez?
- Amanhã de manhã.
Na cabeça dele, ela sorriu com o encontro.