Saturday, June 30, 2007

Luz louca

Que tempo me separa da intemporalidade?
Momentos sem hora, espontâneos na génese, na sua génese, de onde vêm?
Pressuponho que de alguma radiação invisível pois que é indiferente ser manhã, tarde ou noite para a sua aparição.
Não sou avisado. Quebra-se-me a energia e a vontade em recuperá-la. Estudarei o minucioso processo deste resultado em mim provocado, a estatística mostra-me que há uma tendência para o ambiente nocturno deste fenómeno.
A noite, aquela noite, a de ontem, ou de hoje que era de madrugada, qual mendigo, encostado à árvore com olhar disperso para tudo e para nada, sentindo que nada tem, liberto, alegremente liberto, tristemente consciente da perda do elemento de felicidade, triunfalmente desejando nada mais.
A absorção da luz pequena e longínqua inspira-me loucura. Que normalidade tem a regra de sentir afabilidade na solidão?
A que quero evitar mas que me prende...

Wednesday, June 27, 2007

Coração de papel pintado de tinta camuflante

Meu coração de papel pintado de tinta camuflante, que tapa aquilo que não quero ver, mas sei o que é. Pedaço do que fui, agora tento ser, alguém me diga quem sou, que fulgor é este que me vem de dentro e que me sai em lágrimas, pendentes nuns olhos que não sabem o que vêem ou pelo menos assim fingem ser, húmidos de um choro interminável, cascata de desilusão existencial; os braços descaídos, impotentes, amorfos, que não sabem o que levantar; o ar, esse, levanta-se sozinho, disperso, sem choro, como se a força lhe viesse de tudo, e nem o pouco que lhe levo em cada inspiração ofegante o desanima, ele é de todos e de cada um e nós todos somos dele, e mesmo dessa maneira aí anda ele, disperso, sem choro, seco.
Meu coração de papel pintado de tinta camuflante, que não esconde o temor em cada batimento. Quando vem a noite é difícil não chorar, a minha vida é um choro, o choro é a minha vida. Que alguém me ampare as lágrimas que me saem deste coração de papel amachucado, vazio que transborda o tudo que sou, a angústia que sobra em mim, essa não foge com o rio que me flui das vistas. Quem me bate à porta e me encontra nesta rua sem morada em que habito, quem me escreve uma carta a certificar-me que há vida fora da minha bolhinha, quem vem com fogo na mão incendiar este coração de papel, e mostrar-me o que está por baixo? Quem me mostra o que está por detrás do pano?
Meu maldito coração de papel!


O Senhor Lágrimas
Fábio Santos

Sunday, June 24, 2007

Partida

A estrada da vida morre
Onde não lhe vemos o fim.
Uma curva oculta o caminho
Encolhe-o estreitinho até desaparecer.

A luz da esperança no prolongamento
Do invisível infinito caminho
Incandeia-me tristemente a razão
Que não me deixa acreditar em vão.

Sunday, June 17, 2007

Onde sinto o poder de mim no sentir?
Na razão que te elabora em imagem
Ou na emoção que a imagem me sofre?

Wednesday, June 13, 2007

Dois Sentidos

Mar que de movimentos naturais
Centrífugos e centrípetos no sentido
E por tal confusamente mirados
Metaforicamente em tudo significado.

Tão antitético que desdenha
Quem do gosto do equilíbrio sofre
Se ser de uma só recta linha me juntar
Quero-me ondulado e a saber a mar.

Monday, June 11, 2007

A flor que te hei-de dar

Um mar exultante de flores arqueadas
Um suave sopro do vento, a beijar cada rosto
Um rasgar de lábios, brilho deslumbrante e luminoso.

Flor que na minha mão se pousa
Um aroma que não sabe onde ser cheirado
Vestido ondulante, a contagiar o ar
Sol que bate na face
Dois corpos que se tocam, que fazem sonhar
Na mão, a flor que te hei-de dar!

Fábio Santos

Sunday, June 3, 2007

Observatório Imaginário

Procurei-te na biblioteca e foste a primeira pessoa que vi. Consegui o que queria: ver-te, saber que tinhas vindo. Inventei outro propósito de procura, se havia computadores livres para me entreter. Não. Desci.
Passei a tarde a jogar às cartas esbatidas sem nexo contra a mesa, porque o pensamento estava na imagem de ti e os olhos na porta que te esperava. Demoraste a aparecer. Terias terrivelmente saído por outro lado qualquer ou os meus olhos viam imaginação e perderam a realidade?
Corri acima pelas escadas para a biblioteca, ufa!, ainda lá estavas! Puxei uma cadeira e sentei-me ao teu lado tentando falsamente desviar a atenção para o teu trabalho e para as tuas amigas.
Falavas-me. Falava-te. Estamos unidos pelas palavras e pelos gestos que tardaram em aparecer. Iniciei com a ponta dos dedos o tacto suave e tímido nas tuas costas. Não o negaste, não fizeste por contrariá-lo.
Trabalhavas, olhavas o monitor e eu imaginariamente tinha a certeza de que estavas com mais atenção em mim.
Acabaste. Saímos e ficámos os dois. Não nos apetecia ir para casa? Talvez tenha sido mesmo a melhor desculpa para darmos a entender que queríamos estar um com o outro sem o dizer. Há gestos que valem mais que as palavras.
Sentámo-nos num banco do jardim, à sombra por tua escolha. A natureza queria-nos iluminados e por isso enviou moscas para nos mudarmos para outro ao sol.
Frente a frente, lado a lado, na obliquidade das linhas que nos ligavam os corpos, os nossos olhares traíam-nos. Deixavam sair a verdade que a boca não deixava sair. Olhares filtrados distraídos pelas brincadeiras nas palavras que proferimos para encher a acção.
"A árvore é feia", "O azul é cor primária", pediste que encarnasse o meu personagem do teatro, imitei-o quantas vezes pediste. "É fofo" e andavas com o "fofo" na boca porque não há pessoa mais fofinha que tu.
Sem querer, acho, descaíste a cabeça no meu ombro e rapidamente a levantaste, não conseguiste controlar o impulso que te ia na alma. Mas eu percebi. Beijei-te a face, tinhas os lábios cerrados que pareciam um íman pela força que tive que fazer para não precipitar o toque pelo qual os meus ansiavam. Percorri-te a face com a minha, acariciei-te a testa e a bochecha com os lábios e os dedos, o nariz com o meu, ternamente porque te queria minha como se algo frágil estivesse a guardar.
Beijei-te a outra face, fiz-lhe festinhas com a mão mas rapidamente parei pela constatação de que a minha mão estava fria, pelo calor que emanavas do rosto. Retirei-a e pegaste-lhe triste por ter parado e disseste que não estava fria e que não parecia mão de mulher como me tinham já dito. Fizeste-lhe festinhas, tiveste pena da minha mão, a parte do meu corpo maltratada pela circulação imperfeita que me atira as veias para fora da pele. Esfregaste-a e entregaste-te à condenação dos sentimentos. Tinha-te envolvida, os rostos juntos novamente, os teus lábios cerrados e o íman. Não sabia se querias. A força magnética do íman era quebrada se quiséssemos. Eu queria muito. O amor, não o beijo em si, movimentaste a cara quanto? 2 milímetros? Foi o suficiente para eu quebrar a força e receber o teu amor no beijo. Inocente de olhos fechados me beijaste, o tempo para nós parou, só o relógio continuou a andar.
A casa e o jantar esperavam-te, o relógio traiu-nos com as horas. Tinhas que ir. Despediste-te com um beijo e quis acarinhar-te o cabelo, sabia pela audição de um passado pouco distante que não querias que lhe mexessem, "Não queres que te mexam no cabelo, despenteiam-te", "Mas tu podes!" e beijei-te outra vez a acariciar-te o cabelo.
O céu foi o único espectador, imóvel como o nosso tempo, atento aos pormenores manchado pelas núvens que o queriam ocultar, ao céu e ao nosso amor.
Se é que é essa a palavra que nos exprime na relação ou se a relação que temos pode ser exprimida numa palavra.

Saturday, June 2, 2007

Amo-te :)

Olho tácito o teu sorriso
Desenhado pelas feições da face
Que belas o forçam natural.

Macia a boca endeusada
Por ser tua e usada
Em mim a amar-te e amares-me.