Tuesday, October 20, 2009

Escola de Atenas


penso que sou enfim criança
no mito que Homero criou
tenho então a esperança
do mundo que Platão matou

e sei que o que deus me quer
prometeu o levou outrora
a luz que me irá arder
é a voz de ninfa agora

se meditar é só estar dentro
que raio de zeus me abra a mente
fulmine forte o pensamento
que criança não sabe o que sente

Saturday, May 9, 2009

Carta

Cairo, 7 de Agosto de 2037

Caríssimo Daniel,

Escrevo-te da varanda do quarto do hotel onde me tenho hospedado nos últimos dias. São 18 horas locais e o sol ainda me queima a pele o suficiente para me abrigar nesta sombra.
Hoje senti falta de dizer alguma coisa, senti a falta de sentir tudo o que devia ter sentido nos últimos anos da minha vida. Não é que pense que a minha solidão permitida tenha sido em si uma coisa ruim. Tudo tem o seu quê de bom e de mau - como me disse um professor, uma vez: "ninguém tem o monopólio da sabedoria nem do disparate". Não considero portanto a minha opção sábia nem disparatada. Claro que a frase não diz que em questões particulares não há disparate nem sabedoria, aplica-se ao geral, mas não me admito uma adjectivação nesse campo a tal opção de vida, porquanto que penso que que tais opções se devem mais ao que nos rodeia do que propriamente ao que nos está intrínseco.
Com o tempo, fui aprendendo que a normalidade é coisa de loucos, de quem pensa pouco ou se esconde de evidências. Na adolescência com os livros, a certa altura por simples desilusões e cada vez mais com os meus doentes.
Senti tudo isto hoje, ao visitar mais uma pirâmide, enquanto esperava na fila para entrar. A pirâmide alta, imponente, imune ao calor. A esfinge deitada, absorta, imune à confusão que a rodeava. E assim durante séculos, milénios. Lembrei-me de repente o quão estranho é tudo viver, passar e ir embora e a pirâmide e a esfinge ali - a ver toda a gente passar e morrer. Sou mais um que olha e se vai. Tem o ambiente ideal para sonhar, para se querer fazer parte de uma história mitológica e mudar a nossa parte do mundo. Mas em mim já não há esperanças, há o viver encostado à parede, com medo que o cansaço me faça cair, e olhar como a esfinge. Porém, olho as gentes passando e sei que lhes vou seguir o rasto. E não é por estar velho; os 48 anos que faço daqui a um mês e pouco não são por si só razão. Talvez esta viagem de sonho de criança tenha sido feita tarde demais. Sempre foi um dos meus destinos predilectos e só este ano me decidi a vir. Sinto de certa forma que perdi uma vida diferente ao não ter vindo cá com os meus 20 e quê anos.
De que vale lamentar, caro amigo? Todos sabemos que passado não se apaga. A uns é que é mais permitido pensar no futuro do que a outros. Eu já não posso. O meu conto de fadas perdeu-se algures entre o tempo e o espaço. Perdeu-se e perdi-o. E quem fazia parte dele somente eu perdi.
Espero que estejas a ter umas boas semanas de trabalho neste tempo de calor, ninguém te manda guardar férias para a neve!

Um grande abraço,

Pedro.

P.S. - Cancelei a semana de férias que me tinha reservado em S. Francisco e prolonguei esta estadia. Vou lá para o ano, se me não cortarem a linha da vida. Assim o espero.

Friday, May 1, 2009

Serenata Monumental 2009

Uma noite calada
Um sonho a chegar
A batina apertada
E a capa a bailar.

E no fim dos jantares
Com os nossos padrinhos
Vamos ouvir cantares
Não ser mais caloirinhos.

Durante a serenata
Sai-nos uma lágrima
E traçam-nos a capa
Doutores em Coimbra.

Tuesday, April 28, 2009

O mundo na mão

Senti-me cansado de estar deitado num sofá que me trazia apenas recordações de um passado que recordo a espaços, quando me roubam uma parte de mim com perguntas sobre uma adolescência que passou há tão pouco tempo; e que digo não querer que ela vá embora mesmo sendo uma sombra que persigo a custo e que não atinjo - já lá vai pequena e escura no horizonte.
Oiço a "Clocks" e a "The Scientist" dos Coldplay e lembro-me de todas as outras vezes em que estive deitado num outro sofá passado, a ouvi-las desenhando no bloco da imaginação o meu mundo de hoje (sentado a uma mesa a discutir política com professores mais velhos e no coffee-break citar Locke, Foucault e Rawls... velhos sonhos - sempre possíveis de alcançar). E sentir medo de um dia me sentir adulto e de ser atirado às feras de uma sociologia individual que me queria apenas formatar - "tens que ser um bom profissional", como se não houvesse nada mais na vida a ser.
Fui-me arranjar para ir ao Jumbo comprar vodka e um whisky relativamente de jeito, que com a Queima à porta tem que se beber em grande, se não for em qualidade ao menos que seja em copo! Enquanto me olhava a última vez ao espelho para ver se a gola e os cabelos estavam no sítio, lembrei-me de repente das pessoas nos hipermercados alemães, muitas vezes descalças, às vezes com calças de pijama até. Ri-me com um suspiro nasal, e uma ligeira mudança na orientação labial que se deslocou para a direita, do ridículo rótulo que me poriam se fosse assim para o DV (porque em Coimbra se fala por siglas e eu as vou aprendendo - Dolce Vita).
Antes de ir às bebidas, passei na Jumbo Box para comprar um bloco de folhas de linhas que gosto de pôr no meu dossier da AAC - Associação Académica de Coimbra - para poder passear orgulhosamente com ele na mão. Coisa de caloiro que espera ansiosamente por uma pasta!
Enquanto vagueava na zona do material escolar, dei conta de uma senhora elegante que levava pela mão um miúdo. No ambiente que pairava no ar, soou, de súbito e ironicamente pelo momento anterior e presente, "Viva La Vida". Olhei para o lado e estava o miúdo a rodar com força um globo daqueles que têm os países em cores diferentes, com as capitais devidamente assinaladas. Procurou a mãe com a cabeça e, depois de a vislumbrar no corredor perpendicular, correu com o globo na mão e com um riso estridente:
- Mamã, tenho o mundo na mão...!

Wednesday, April 22, 2009

Deveres passados

Perdi partes das poucas palavras
Que quando quis contar-te contei
Baixas.



Vai haver um dia em que vou pensar que devia ter falado mais alto. E que as devia ter escrito.

Friday, April 17, 2009

Saudades

- Oh... não tiveste saudades minhas?
Ele olhou para ela tentando fazer a cara mais indiferente do mundo.
- Claro que tive!
E abraçaram-se. E ele apertou com força a pensar que quanto mais força fizesse mais próxima ela ficaria.

Wednesday, April 15, 2009

Caloirada e caríssimos doutores,

Hoje a noite vai ser especial,
Cumprida será mais uma tradição
Com garrafas e copos na mão,
É o Baptismo Nocturno!
À parte as merecidas diferenças,
Uniu-nos, caloiros e doutores,
A alegria da nobre e boémia cidade,
Noites, guitarras e cantores.
E quando chegam os males,
Exames, gincanas e orais,
Puxamos pelas cordas vocais:
Somos estudantes em Coimbra!

(a pedido da Joana Amaral, coordenadora do Pelouro da Cultura do NEM/AAC, redigi o poema acima transcrito, como forma de exaltação à cidade de Coimbra, na noite em que comemorámos o Baptismo Nocturno:))

Saturday, April 11, 2009

Adeus

Saía fogo em forma líquida por entre todas as fendas de solo, até a tempestade que os assolava via as gotas grossas de chuva a queimar-lhes a pele. Desespero, os últimos gritos de aflição de uma vida, a noção do impedimento de viverem felizes para sempre ali.
- Corre, Sofia, vamos procurar um abrigo!
Sofia caiu, chorava tanto que não se conseguia levantar. Filipe transbordava calma, uma calma irritante de não saber o que fazer, a falta de um stress que lhe impusesse uma tomada de decisão. Voltou atrás, levantou Sofia e continuaram a correr de mãos dadas.

Não havia mais solo a pisar, chegaram ao fim do que havia a correr.

- Disseste um abrigo! Um precipício escuro. O que há lá em baixo?
Filipe olhava desanimado o fundo escuro de um mundo que não queria conhecer.
- Não sei o que há.
Olhou Sofia nos olhos, agarrou-lhe a mão com mais força.
- Damos o último beijo? - perguntou Sofia.
- Não. Quero acreditar que ainda vamos dar mais lá em baixo.
Saltaram os dois, desapareceram na escuridão para sempre.

Há quem diga que vivem no centro da Terra.


(É no meio que está a virtude não é...?)

Monday, April 6, 2009

Alturas

Quando nalgum dia me sentir eufórico ou desiludido, é imperativo lembrar-me que o sol só ilumina a Terra metade de cada vez.

"Quanto mais alto subo, menor pareço aos olhos daqueles que não sabem voar."
Friedrich Nietzsche

Thursday, March 26, 2009

Amanhã

- Olá! - exclamou assim que chegou às escadas que subiam para o jardim onde namoravam quando a relação que os unia era a da paixão com compromisso de felicidade eterna.
Ele levantou-se, já esperava há quatro minutos, e abraçou-a com um braço apenas que o outro pendia paralelo ao tronco sustendo a mão que se escondia no bolso.
Talvez ela pudesse esperar uma euforia pelo reencontro da agora amiga que partira para Londres no ano passado, quando foi convidada a cumprir um estágio num estabelecimento de estética em que as tias da zona gostavam de chamar aos serviços que lá lhes eram oferecidos nomes mais pomposos do que os normais cortar as unhas das mãos, cortar as unhas dos pés, esfregar um creme na cara.
Nesta perspectiva leviana via ele todas essas coisas supérfluas de que também, diga-se de passagem, ele não abdicava, salvo seja as mani e pedi cures, são exemplo disso alguns cremes para disfarçar as espinhas e um bom gel que lhe pusesse o cabelo com um efeito estranho - deveras estranho.
Tinham combinado encontrar-se no dia seguinte ao seu regresso de Londres. Ela ligou-lhe, ele não quis atender. Mais tarde arrependeu-se e devolveu a chamada e disfarçou alegria pelo contacto auditivo com uma voz que não queria simplesmente ouvir.
E via-se agora aqui ele, qual actor ridículo de telenovela, esperando que um rasto de felicidade caísse subitamente do céu - estrelas cadentes não são coisas que se vejam aos montes por aí todos os dias - e se derramasse no chão, alastrando e oferecendo-se aos infelizes que a esperam e que, tal como ele, se não levantam da escada para a alcançar.
Ela simulou que não dera conta do mau humor dele, que no final de contas era apenas a sua forma de ser neutro, alheio ao sentir, resultado de chagas no coração, feridas de peças pontiagudas metálicas que lhe acertaram no miocárdio e deixaram sequelas para sempre.
Começou a falar como uma criança, como é possível aos vinte e dois anos ainda se ter sonhos?, não ter caído na realidade que nada há a conseguir, tudo o que há para ter nos vem parar às mãos?
- Dás-me mais um abraço?
- O que esperas ainda?
- Qualquer coisa, uma reacção apenas.
- Reagir a quê?
- Não vai nada aí dentro?
- Ossos, carne e pouco mais.
- É assim que fazes, desistes de viver?
- Estou à procura da vida que quero viver.
- Não tens idade para a saberes já?
- Não tenho idade para a saber nunca.
- Que vais fazer entretanto?
- Procurá-la todos os dias. Que outra coisa poderia fazer?
- Não tens mais nada para me dizer?
- Não interessa dizer o que não posso fazer.
- Há coisas que queres e não podes?
- Coisas são coisas. Eu sou eu. Não quero coisas. Vamos embora.
- Posso ver-te outra vez?
- Amanhã de manhã.

Na cabeça dele, ela sorriu com o encontro.

Saturday, March 21, 2009


Há um pó que se levanta de quando em vez e que sufoca quando entra pelas narinas adentro, segue o tracto respiratório, sendo como que ricochetado por uma valente tossidela representativa da vontade de continuar o bom funcionamento fisiológico, aquilo que metaforicamente poderia chamar da vontade de viver de um organismo atacado.
Encontrei-me sozinho atacado por esse pó areoso num deserto que persisti em não querer conhecer.
A vontade de tossir fez-me levantar, enfrentar o areal sem fim. Por mim morria já ali, com uma polidipsia latente e um suor que a disfarçava. Mas houve qualquer coisa externa à minha vontade que me fez prosseguir.
Diria Sartre que a minha situação é igual à de toda a gente, abandonado no deserto, desprovido de um olhar exterior que me desse um sentido.
Diria Nietzsche que ninguém no mundo estaria em melhor posição que eu. Porque há um mundo novo a construir todos os dias e estar abandonado num deserto faria com que eu tivesse que procurar soluções a toda a hora para lhe sobreviver.

Caminhei.
O areal seco foi-se transformando em areal banhado pelo mar. Não sei o que estará pela frente, atrás restam as minhas pegadas.

- Coisas que se vão descobrindo e ainda não se podem dizer.
- Mas que se percebem.

Tuesday, March 17, 2009

Rumo(s)




Rumar ao que há-de vir.

Sem sentido de orientação, sem nada.

Porque não há nada para ter agora.

Há tudo para ter depois.







(Se depois de tudo houver um bocadinho que apareça)

Sunday, March 15, 2009

Farol

130 batimentos por minuto, corridinha à beira-mar com a água a refrescar e a puxar-me para a imensidão de nada. Que afinal é essa a meta, correr pela costa sem fim, à espera de encontrar um farol que aponte para qualquer coisa que nos faça ter vontade de parar de correr, de ficar parado a contemplar.

Há quem se contente com as conchas que descansam na praia, as coisas pequenas da vida que tanta felicidade podem dar.
Sentar na praia a olhar o vazio e apanhar as conchas. Tentar ser o que há a ser. Ser feliz sem saber como...

E o farol?

Thursday, January 22, 2009

Silhueta



A forma aparece negra das águas
Que pingam em gotas da silhueta
Vazia da matéria física
Que preencho ao meu prazer.

Saturday, January 10, 2009

Não saberei

Não saberei nunca
Dizer que sim.
Ao mundo

Fico mudo de palavras
Treino o sorriso ao espelho.
Que quero que o mundo veja

Fechado numa imagem
Que nada ou pouco mostra.
Da desilusão que retorna

Deste mundo de imagens
Que quero apenas ver.
Se há forma de viver
(?)

Há.
Sempre que sinto
Que o mundo vai acabar
Vou à janela
Vejo apenas mais uma árvore

Caída.