Tuesday, April 28, 2009

O mundo na mão

Senti-me cansado de estar deitado num sofá que me trazia apenas recordações de um passado que recordo a espaços, quando me roubam uma parte de mim com perguntas sobre uma adolescência que passou há tão pouco tempo; e que digo não querer que ela vá embora mesmo sendo uma sombra que persigo a custo e que não atinjo - já lá vai pequena e escura no horizonte.
Oiço a "Clocks" e a "The Scientist" dos Coldplay e lembro-me de todas as outras vezes em que estive deitado num outro sofá passado, a ouvi-las desenhando no bloco da imaginação o meu mundo de hoje (sentado a uma mesa a discutir política com professores mais velhos e no coffee-break citar Locke, Foucault e Rawls... velhos sonhos - sempre possíveis de alcançar). E sentir medo de um dia me sentir adulto e de ser atirado às feras de uma sociologia individual que me queria apenas formatar - "tens que ser um bom profissional", como se não houvesse nada mais na vida a ser.
Fui-me arranjar para ir ao Jumbo comprar vodka e um whisky relativamente de jeito, que com a Queima à porta tem que se beber em grande, se não for em qualidade ao menos que seja em copo! Enquanto me olhava a última vez ao espelho para ver se a gola e os cabelos estavam no sítio, lembrei-me de repente das pessoas nos hipermercados alemães, muitas vezes descalças, às vezes com calças de pijama até. Ri-me com um suspiro nasal, e uma ligeira mudança na orientação labial que se deslocou para a direita, do ridículo rótulo que me poriam se fosse assim para o DV (porque em Coimbra se fala por siglas e eu as vou aprendendo - Dolce Vita).
Antes de ir às bebidas, passei na Jumbo Box para comprar um bloco de folhas de linhas que gosto de pôr no meu dossier da AAC - Associação Académica de Coimbra - para poder passear orgulhosamente com ele na mão. Coisa de caloiro que espera ansiosamente por uma pasta!
Enquanto vagueava na zona do material escolar, dei conta de uma senhora elegante que levava pela mão um miúdo. No ambiente que pairava no ar, soou, de súbito e ironicamente pelo momento anterior e presente, "Viva La Vida". Olhei para o lado e estava o miúdo a rodar com força um globo daqueles que têm os países em cores diferentes, com as capitais devidamente assinaladas. Procurou a mãe com a cabeça e, depois de a vislumbrar no corredor perpendicular, correu com o globo na mão e com um riso estridente:
- Mamã, tenho o mundo na mão...!

Wednesday, April 22, 2009

Deveres passados

Perdi partes das poucas palavras
Que quando quis contar-te contei
Baixas.



Vai haver um dia em que vou pensar que devia ter falado mais alto. E que as devia ter escrito.

Friday, April 17, 2009

Saudades

- Oh... não tiveste saudades minhas?
Ele olhou para ela tentando fazer a cara mais indiferente do mundo.
- Claro que tive!
E abraçaram-se. E ele apertou com força a pensar que quanto mais força fizesse mais próxima ela ficaria.

Wednesday, April 15, 2009

Caloirada e caríssimos doutores,

Hoje a noite vai ser especial,
Cumprida será mais uma tradição
Com garrafas e copos na mão,
É o Baptismo Nocturno!
À parte as merecidas diferenças,
Uniu-nos, caloiros e doutores,
A alegria da nobre e boémia cidade,
Noites, guitarras e cantores.
E quando chegam os males,
Exames, gincanas e orais,
Puxamos pelas cordas vocais:
Somos estudantes em Coimbra!

(a pedido da Joana Amaral, coordenadora do Pelouro da Cultura do NEM/AAC, redigi o poema acima transcrito, como forma de exaltação à cidade de Coimbra, na noite em que comemorámos o Baptismo Nocturno:))

Saturday, April 11, 2009

Adeus

Saía fogo em forma líquida por entre todas as fendas de solo, até a tempestade que os assolava via as gotas grossas de chuva a queimar-lhes a pele. Desespero, os últimos gritos de aflição de uma vida, a noção do impedimento de viverem felizes para sempre ali.
- Corre, Sofia, vamos procurar um abrigo!
Sofia caiu, chorava tanto que não se conseguia levantar. Filipe transbordava calma, uma calma irritante de não saber o que fazer, a falta de um stress que lhe impusesse uma tomada de decisão. Voltou atrás, levantou Sofia e continuaram a correr de mãos dadas.

Não havia mais solo a pisar, chegaram ao fim do que havia a correr.

- Disseste um abrigo! Um precipício escuro. O que há lá em baixo?
Filipe olhava desanimado o fundo escuro de um mundo que não queria conhecer.
- Não sei o que há.
Olhou Sofia nos olhos, agarrou-lhe a mão com mais força.
- Damos o último beijo? - perguntou Sofia.
- Não. Quero acreditar que ainda vamos dar mais lá em baixo.
Saltaram os dois, desapareceram na escuridão para sempre.

Há quem diga que vivem no centro da Terra.


(É no meio que está a virtude não é...?)

Monday, April 6, 2009

Alturas

Quando nalgum dia me sentir eufórico ou desiludido, é imperativo lembrar-me que o sol só ilumina a Terra metade de cada vez.

"Quanto mais alto subo, menor pareço aos olhos daqueles que não sabem voar."
Friedrich Nietzsche