Thursday, March 26, 2009

Amanhã

- Olá! - exclamou assim que chegou às escadas que subiam para o jardim onde namoravam quando a relação que os unia era a da paixão com compromisso de felicidade eterna.
Ele levantou-se, já esperava há quatro minutos, e abraçou-a com um braço apenas que o outro pendia paralelo ao tronco sustendo a mão que se escondia no bolso.
Talvez ela pudesse esperar uma euforia pelo reencontro da agora amiga que partira para Londres no ano passado, quando foi convidada a cumprir um estágio num estabelecimento de estética em que as tias da zona gostavam de chamar aos serviços que lá lhes eram oferecidos nomes mais pomposos do que os normais cortar as unhas das mãos, cortar as unhas dos pés, esfregar um creme na cara.
Nesta perspectiva leviana via ele todas essas coisas supérfluas de que também, diga-se de passagem, ele não abdicava, salvo seja as mani e pedi cures, são exemplo disso alguns cremes para disfarçar as espinhas e um bom gel que lhe pusesse o cabelo com um efeito estranho - deveras estranho.
Tinham combinado encontrar-se no dia seguinte ao seu regresso de Londres. Ela ligou-lhe, ele não quis atender. Mais tarde arrependeu-se e devolveu a chamada e disfarçou alegria pelo contacto auditivo com uma voz que não queria simplesmente ouvir.
E via-se agora aqui ele, qual actor ridículo de telenovela, esperando que um rasto de felicidade caísse subitamente do céu - estrelas cadentes não são coisas que se vejam aos montes por aí todos os dias - e se derramasse no chão, alastrando e oferecendo-se aos infelizes que a esperam e que, tal como ele, se não levantam da escada para a alcançar.
Ela simulou que não dera conta do mau humor dele, que no final de contas era apenas a sua forma de ser neutro, alheio ao sentir, resultado de chagas no coração, feridas de peças pontiagudas metálicas que lhe acertaram no miocárdio e deixaram sequelas para sempre.
Começou a falar como uma criança, como é possível aos vinte e dois anos ainda se ter sonhos?, não ter caído na realidade que nada há a conseguir, tudo o que há para ter nos vem parar às mãos?
- Dás-me mais um abraço?
- O que esperas ainda?
- Qualquer coisa, uma reacção apenas.
- Reagir a quê?
- Não vai nada aí dentro?
- Ossos, carne e pouco mais.
- É assim que fazes, desistes de viver?
- Estou à procura da vida que quero viver.
- Não tens idade para a saberes já?
- Não tenho idade para a saber nunca.
- Que vais fazer entretanto?
- Procurá-la todos os dias. Que outra coisa poderia fazer?
- Não tens mais nada para me dizer?
- Não interessa dizer o que não posso fazer.
- Há coisas que queres e não podes?
- Coisas são coisas. Eu sou eu. Não quero coisas. Vamos embora.
- Posso ver-te outra vez?
- Amanhã de manhã.

Na cabeça dele, ela sorriu com o encontro.

Saturday, March 21, 2009


Há um pó que se levanta de quando em vez e que sufoca quando entra pelas narinas adentro, segue o tracto respiratório, sendo como que ricochetado por uma valente tossidela representativa da vontade de continuar o bom funcionamento fisiológico, aquilo que metaforicamente poderia chamar da vontade de viver de um organismo atacado.
Encontrei-me sozinho atacado por esse pó areoso num deserto que persisti em não querer conhecer.
A vontade de tossir fez-me levantar, enfrentar o areal sem fim. Por mim morria já ali, com uma polidipsia latente e um suor que a disfarçava. Mas houve qualquer coisa externa à minha vontade que me fez prosseguir.
Diria Sartre que a minha situação é igual à de toda a gente, abandonado no deserto, desprovido de um olhar exterior que me desse um sentido.
Diria Nietzsche que ninguém no mundo estaria em melhor posição que eu. Porque há um mundo novo a construir todos os dias e estar abandonado num deserto faria com que eu tivesse que procurar soluções a toda a hora para lhe sobreviver.

Caminhei.
O areal seco foi-se transformando em areal banhado pelo mar. Não sei o que estará pela frente, atrás restam as minhas pegadas.

- Coisas que se vão descobrindo e ainda não se podem dizer.
- Mas que se percebem.

Tuesday, March 17, 2009

Rumo(s)




Rumar ao que há-de vir.

Sem sentido de orientação, sem nada.

Porque não há nada para ter agora.

Há tudo para ter depois.







(Se depois de tudo houver um bocadinho que apareça)

Sunday, March 15, 2009

Farol

130 batimentos por minuto, corridinha à beira-mar com a água a refrescar e a puxar-me para a imensidão de nada. Que afinal é essa a meta, correr pela costa sem fim, à espera de encontrar um farol que aponte para qualquer coisa que nos faça ter vontade de parar de correr, de ficar parado a contemplar.

Há quem se contente com as conchas que descansam na praia, as coisas pequenas da vida que tanta felicidade podem dar.
Sentar na praia a olhar o vazio e apanhar as conchas. Tentar ser o que há a ser. Ser feliz sem saber como...

E o farol?

Thursday, January 22, 2009

Silhueta



A forma aparece negra das águas
Que pingam em gotas da silhueta
Vazia da matéria física
Que preencho ao meu prazer.

Saturday, January 10, 2009

Não saberei

Não saberei nunca
Dizer que sim.
Ao mundo

Fico mudo de palavras
Treino o sorriso ao espelho.
Que quero que o mundo veja

Fechado numa imagem
Que nada ou pouco mostra.
Da desilusão que retorna

Deste mundo de imagens
Que quero apenas ver.
Se há forma de viver
(?)

Há.
Sempre que sinto
Que o mundo vai acabar
Vou à janela
Vejo apenas mais uma árvore

Caída.

Sunday, December 28, 2008

Canções

Corri até à praia à tua procura. Que outro local que não perto do mar para te encontrar? Avistei-te ao longe sentada nas rochas a olhar o teu primeiro amor, indeciso no sentido enche e esvazia a maré. Continuei a correr até chegar a ti, contra o vento que sopraste para me evitar.
Esforcei-me, puxei dos dotes de velocista e atingi-te. Levantaste-te e puseste a descoberto a anatomia externa do teu corpo, os pormenores internos há muito que os conheço sem os ter visto.
Disseste-me,
- Não pertences aqui. Não estás a ser coerente contigo.

Eu nunca fiz nada que batesse certo.

- Alguma vez te disse que gostava de ser coerente?
O mar bateu com mais força numa rocha e molhou-nos. Tu viraste-me as costas e olhaste o sol a cair para lá do horizonte que o perseguia. O ar estava incendiado pelas chamas vermelhas que dele emanavam. Correste e atiraste-te ao mar.
Tive que voltar para trás...

E vem-nos à memória uma frase batida:
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida.

Tuesday, December 23, 2008

Caloirada

Como tinha prometido, publico uma foto do meu "traje" na Festa das Latas de Coimbra.

Tuesday, December 16, 2008

Feliz aniversário

O tikritspirit.blogspot.com comemora hoje o seu 2º aniversário.
É com grande satisfação que este espaço é, continua a ser, um certo espelho de mim, de quem escreve, o canto do refúgio ou do encontro.
Deixo uma das minha músicas favoritas :)

Obrigado aos leitores!




Sunday, December 14, 2008

Génio

Nem sempre se consegue que momento e acção se unam em sinergia para a perfeição. Embora tivessem acabado de jantar sob o musical silêncio do tilintar dos talheres que mais não significa que a ausência da palavra tenha todo o significado do mundo.
- Sim, amor, estou aqui. - Pensa ele como que para sempre.
Mas a magia do silêncio é ser quebrado pela palavra certa e que palavra poderia ele usar ali? Sofia estava deitada de lado no pouf, agarrada ao seu Mickey gigante que lhe oferecera a avó num Natal longínquo, de costas para ele.
Filipe serpenteia-lhe o corpo com o olhar e extasia-se. Que a vontade súbita que dele se apoderou tem mais força que qualquer gravidade do universo.
- Sofia, faz amor comigo.
Ela olhou-o rodeando apenas a cabeça, deixando o corpo à mercê do desejo.
- Se também querias, porque não disseste nada?
- A genialidade está em quem dá o primeiro passo.